A Equidade Racial, o papel das Organizações Backbone, o Investimento Social Privado e o engajamento de grupos minorizados foram temas do 2º Dia do Fórum Latino-Americano De Impacto Coletivo

Confira, nesta matéria, a síntese dos painéis do dia 20, com as principais experiências e reflexões sobre a metodologia impacto coletivo como estratégia para ações sistêmicas e sustentáveis que trazem a equidade racial como componente central para garantir eficiência.

Em parceria com a UW da Colômbia e UW do México, e curadoria de conteúdos da FSG, a UWB realizou o Fórum Latino-Americano de Impacto Coletivo, dias 19 e 20 de outubro, reunindo cerca de 400 pessoas. O objetivo do evento é promover o acesso a conceitos e práticas de diferentes países para inspirar instituições da América Latina no enfrentamento de desafios socioambientais complexos, utilizando a metodologia.

GOYN: Inovação na inclusão produtiva de jovens potência. Ter o público-alvo de iniciativas do impacto coletivo como protagonistas

O primeiro painel do dia apresentou o movimento internacional Global Opportunity Youth Network (GOYN), na voz de jovens-potência, protagonistas da iniciativa em suas cidades, e coordenadores locais.

A conversa foi introduzida por Joel Miranda, diretor senior de desenvolvimento e lideranças do  Aspen Institute, organização que idealizou o GOYN. Ele compartilhou dados sobre a situação das juventudes. “Temos 1.8 bilhão de jovens no mundo e 90% deles vivem em países com economias em desenvolvimento. Deste 1.8 bilhão, 380 milhões de jovens não estão conectados com a educação e o trabalho formais; 70 bilhões estão desempregados, sendo que três dentre quatro jovens são mulheres. Os empregos formais estão sob risco, porque milhares de empresas foram impactadas negativamente pela pandemia da Covid-19”, alertou Joel.

Segundo ele, o GOYN trabalha com organizações-âncora para criar oportunidades a jovens de 15 a 29 anos que estão na escola ou procurando emprego ou que estão fora do mercado de trabalho.  Para os próximos 10 anos, a meta é criar uma mudança nesse cenário mundial que possa impactar 350 mil jovens e melhorar a vida de milhões delas e deles, até 2030. O GOYN atua por meio de parcerias com jovens, comunidades, empresas, organizações públicas e privadas e, atualmente, está em nove cidades de sete países na América Latina, África e Índia, tendo conectado mais de 100 mil jovens com oportunidades de desenvolvimento.

“Investimos na formação para que jovens se organizem e levem suas vozes aos espaços mais necessários. Apoiamos diálogos para a criação de soluções e conectamos líderes do GOYN por meio de uma rede de parceiros institucionais. Tudo isso se baseia no pilar da equidade, tendo as juventudes como cocriadoras das soluções e estratégias”, reforçou Joel, que convidou membros do GOYN para contarem suas experiências em seus países.

Maria Paula Macías, coordenadora de Impacto Coletivo no GOYN Colômbia, mostrou a importância de se vencer barreiras e pré-julgamentos sobre jovens, vistos com certa reserva pelos adultos, para a construção coletiva de soluções que os preparem para liderar suas comunidades. “Em Bogotá, juntamos adultos que muitas vezes têm medo de se unir aos jovens em todos os processos. É essencial que sentem todos à mesa, porque, se não fizermos isso, não saberemos exatamente quais são as demandas das juventudes. Dentre as ações que estamos realizando coletivamente, iniciamos um projeto com a Fundação Corona de um laboratório de inovação social com curso de oito meses para jovens desenvolverem suas habilidades de liderança, de advocacy e de comunicação”, explicou.

Sobre a atuação no México, Jaqueline Garcia Cordero, coordenadora de liderança no GOYN México, conta que a cocriação é a chave do sucesso. “Estamos trabalhando em uma ferramenta que chamamos de Toolkit, um fundo que pretende financiar projetos impulsionados por jovens para desenvolverem suas comunidades. Contamos com diferentes comunidades da rede global, em São Paulo, Bogotá e nas comunidades da Índia, tendo como membros jovens do Núcleo Jovem e juventudes vinculadas a outras organizações que integram a rede. A ferramenta ajuda a elaborar projetos e integra diferentes perspectivas. É muito interessante perceber a multiculturalidade dentro desse contexto, colocando todos juntos para pensar soluções. A ferramenta é acessível para todes, inclusive para jovens com deficiência visual e auditiva”, contou.

Nilton Clécio, coordenador de território no  GOYN São Paulo, e Jonathan Sales, do Núcleo Jovem, compartilharam as experiências do movimento em São Paulo, onde o GOYN é articulado pela UWB. “Temos 50 Embaixadores do GOYN SP, que passaram por um processo de formação com parceiros técnicos para trabalhar o autoconhecimento, suas características e habilidades, fortalecer a comunicação para dialogar com outros jovens e pessoas de seus territórios e com organizações importantes à causa, tendo conhecimento também da máquina pública. Eles ‘vestem a camisa’”, explicou Nilton.

Outra ação em São Paulo é o Micro Fundo. “A gente atua com jovens de coletivos das zonas sul e leste, onde está o maior número de jovens-potência, que, de fato, precisam de apoio. E o nosso apoio aos coletivos é recurso financeiro e formação. Essas e esses jovens também desenvolveram uma rede de contatos, habilidades de empreendedorismo e de gestão de projetos para colocar suas iniciativas de pé e funcionando”, contou Jonathan.

Para Joel, se queremos avançar com a inclusão produtiva das juventudes, é preciso praticar o diálogo e a escuta. “Faça perguntas, aprenda com os jovens e como eles querem se envolver, crescer e se desenvolver. É nosso objetivo e nossa missão como adultos ajudá-los nisso”, finalizou.

Impacto Coletivo como uma das tendências do investimento social privado

Mediado por Richard Sippli, diretor de operações e relações institucionais no Movimento Bem Maior, o painel reuniu duas grandes organizações: Fundación Rafael Meza Ayau (FRMA), com Carla Meyer de Dumont, diretora-executiva, e Fundação Corona, representada por Natalia Salazar Sarmiento, coordenadora técnica de projetos de educação e emprego, que compartilharem suas experiências relacionadas aos investimentos do ecossistema filantrópico. 

Carla trouxe uma reflexão sobre a sustentabilidade de um modelo de ação com base no impacto coletivo. Para os projetos serem perenes, “criamos comitês de sustentabilidade e um comitê principal, representado pelos diferentes atores que participam da execução da iniciativa, durante todo o tempo de implementação. Os atores locais participam e existe uma liderança de base, garantindo que todas as ações feitas no projeto possam continuar. A sustentabilidade é possível com engajamento constante dos atores locais, que já conhecem o projeto e são embaixadores do conceito de impacto coletivo. O comitê tem a responsabilidade de continuar solicitando fundos, executando ações, envolvendo o governo, a cooperação da sociedade civil, igrejas porque isso é fundamental para abordar a questão da sustentabilidade em projetos de impacto coletivo”.

Ela conta que a fundação tem um eixo de formação social cujo papel é fortalecer os parceiros das localidades onde os projetos são implementados para que se se sintam empoderados e percebam que podem levar adiante suas ideias e soluções.

Carla ressaltou a importância de medir o impacto. “Mensurar é importante e acho que essa é uma fraqueza no nosso setor social em El Salvador. Estamos procurando fazer isso e tem sido um desafio alinhar os requisitos de métricas com todas as ONGs, mas é um processo que fortalece cada organização, a qualidade de tudo o que fazemos e que nos ajuda a identificar os líderes para cada assunto”.

Natalia ressaltou que nos projetos desenvolvidos pela Fundação, o investimento em monitoramento e avaliação da aprendizagem são fundamentais para a tomada de decisões, o que permite melhorar a médio prazo o desenho das iniciativas e os resultados.  Outra reflexão levantada por Natália é sobre a importância de as organizações abrirem suas mentes. “Normalmente, o público-alvo está no centro da avaliação, são as pessoas que nos motivam a levar adiante todas essas ações, mas primeiro devemos transcender a visão tradicional de monitoramento de projeto, entendendo que estamos tratando de processos mais complexos de longo prazo, o que requer investimentos, riscos, fracassos e avanços”.

Para exemplificar suas ponderações sobre investimentos versus riscos e impasses que precisam ser pensados e testados, ela usou o GOYN, movimento internacional que a Fundação Corona apoia em Bogotá, voltado a inclusão produtiva de jovens em situação de vulnerabilidade socioeconômica. “Temos três questões importantes quando discutimos essa iniciativa. A primeira é como desenhar uma colaboração que realmente permita a articulação de ações que reforcem as trocas entre os diferentes atores do sistema. A segunda questão é como conseguir identificar rotas mais inclusivas voltadas a setores particulares da economia que ofereçam oportunidades para jovens. Por fim, como conquistar a sustentabilidade financeira para a manutenção do projeto.”

O papel das organizações que atuam como backbone em projetos de impacto coletivo

Jennifer Splansky Juster, diretora-executiva da FSG,  e diretora do Colletive Impact Forum, foi a responsável por mediar este painel e fazer uma introdução para conceituar o papel desses atores no contexto de ações pautadas pela metodologia impacto coletivo.

As instituições backbone têm o papel de guiar a visão e a estratégia da ação colaborativa. Elas dão apoio ao trabalho e às atividades que estão acontecendo no campo. Estabelecem práticas de medição compartilhada para coletar e reunir dados com o objetivo de acompanhar o progresso e mostrar para as organizações e a comunidade o que está acontecendo. Também influenciam políticas públicas e políticas internas das organizações. Elas mobilizam recursos para realizar o próprio trabalho e para apoiar as iniciativas realizadas com outras organizações. “É importante ressaltar que as organizações backbone devem garantir que os membros da comunidade realmente estejam envolvidos, não só informando o que está acontecendo, mas cocriando todo o trabalho”, explicou Jennifer.

Com relação aos dados, eles são essenciais na tomada de decisões e nos ajustes de percurso das ações de impacto coletivo, como afirmou Adrienne Abbatte, diretora-executiva da Staten Island Partnership For Community Wellness, sediada nos EUA, que trouxe para o diálogo a experiência do projeto Tackling Youth Substance Abuse (TYSA). A iniciativa é uma coalizão para garantir saúde física e mental à população de Staten Island. “O projeto existe há mais de 10 anos, criado para atender ao crescente risco de morte por doenças crônicas entre os adultos. Fomos evoluindo conforme a percepção e dados trazidos pelo monitoramento. Em 2019, vimos que a fragilidade da saúde mental estava relacionada com as doenças, por isso, incluímos esse aspecto no projeto. Identificamos que esse problema impactava populações diferentes de formas diferentes, por exemplo, os adultos negros tinham mais tendência a desenvolver doenças crônicas. Começamos, então, a focar nesses públicos. Isso nos levou a focar no antirracismo, o que exigiu muita capacitação e envolvimento de parceiros. Temos agora um grupo de jovens dedicados à causa, grupos de pessoas LGBTQIA+. Tudo isso foi nos conduzindo a novas abordagens não só no TYSA, mas em outros programas que implementamos”, explicou.

Envelhecer com dignidade é o foco de um dos projetos desenvolvidos pela San Antonio Area Foundation, sediada no Texas (EUA), que reúne mais de 500 fundos financeiros e mais de 1 bilhão de dólares em ativos. Patricia Mejia, vice-presidente de envolvimento da comunidade e impacto, contou que, em San Antônio, 75% da população é formada por latinos e 7% são afrodescendentes. Há muita disparidade na comunidade e, com base em conversas e pesquisas, resolveram investir em ações de impacto coletivo para melhorar as condições de pessoas na terceira idade, para que possam envelhecer com dignidade e segurança.  O trabalho começou em 2016 e houve muito progresso desde então. “Temos mais de 40 organizações com mais de 100 pessoas desse público-alvo ajudando a gente a pensar em soluções para suas necessidades, desde mobilidade à moradia adequada, com acessibilidade. Nossas ações buscam influenciar políticas públicas”, explicou.

O case Primero Lo Primero”, programa para promover o desenvolvimento de crianças colombianas na primeira infância, que usa a metodologia impacto coletivo, foi apresentado por Cristina Gutierrez De Piñeres, CEO da UW Colômbia. Ela contou que, em um primeiro momento, um dos parceiros assumiu a função de backbone, mas, com a experiência, resolveram que era melhor delegar essa função a um time.

“Trouxemos a equidade no trabalho com a primeira infância levando um olhar sistêmico na atuação direta com diferentes atores, ou seja, as crianças, os cuidadores, as famílias, os agentes e as instituições educacionais, lideranças da comunidade e formadores de opinião. As organizações que atuavam com a primeira infância tinham as suas agendas e foi bem difícil criar uma agenda comum, demandando muitas conversas e flexibilizações para conseguir chegar a mais de meio milhão de pessoas em quatro territórios da Colômbia. Hoje sabemos que o modelo de backbone que utilizamos foi um dos principais fatores de sucesso nesse processo, porque nos ajudou a ter clareza da estrutura de governança e da liderança da organização desse time”, pontuou.

O futuro é coletivo: o desafio do engajamento

No último painel do Fórum, Ronaldo Matos, fundador do movimento Desenrola e Não me Enrola , mediou o diálogo, recebendo David Nemer, professor-assistente no departamento de estudos de mídia e no programa de estudos latino-americanos da Universidade de Virgínia, e Selma Moreira, vice-presidente de diversidade, equidade e inclusão LATAM, na JP Morgan.

“No diálogo de hoje, vamos tecer uma série de avaliações e compartilhar experiências sobre um futuro coletivo, um futuro em que a gente engaje, onde a gente tenha uma diversidade de atores sociais construindo uma sociedade mais igualitária”, disse Ronaldo para abrir a conversa, compartilhando diferentes dados que mostram a necessidade urgente de avançarmos nesse propósito. 

No Brasil, 56,1% da população se autodeclara negra. No país, o celular é a principal ferramenta de acesso à internet para 99,5% dos domicílios brasileiros. Nas regiões com alta taxa de vulnerabilidade social, o celular é a única ferramenta de acesso à internet para 70% das pessoas. No Jardim Ângela, bairro periférico de São Paulo, existem 1,4 antenas de telefonia móvel para cada 10 mil habitantes, enquanto o Itaim Bibi, região nobre da cidade, são 49,8 antenas de telefonia móvel para o mesmo montante de moradores.

Diante destes e outros dados, Selma coloca a sua visão sobre como governos, empresas e organizações do campo de investimento social privado podem trabalhar pela equidade racial.  “É muito complexo. A gente tem mais tempo de país com uma história escravocrata do que de um país liberto. Isso ainda está nas nossas entranhas de diferentes formas. Acho que todos aqueles que decidem ter uma postura intencional antirracista, agora precisam agir. Ou seja, me coloquei nesse lugar, qual é a minha ação? É do micro, de como você lida no dia a dia com as pessoas ao seu redor, na sua rede, com as pessoas que trabalham com você, quando você toma uma decisão num escopo maior de uma organização privada governamental ou social. Como é que você desenha os seus programas, se você está colocando intencionalidade para provocar a mudança que é necessária e urgente”, reforçou.

David falou sobre as principais transformações que ele considera necessárias para incluir a população negra como produtora de novas tecnologias, capazes de transformar e de combater as desigualdades sociais nos territórios. “As empresas de tecnologia precisam abrir espaço para não encarar essa população como meros consumidores, mas sim como produtores e trazê-los pra mesa onde as decisões são tomadas, discutindo design, desenvolvimento, mercado para que negras e negros possam trazer a visão de seus mundos, sua expertise, todo o conhecimento que, muitas vezes, não é entendido como um conhecimento válido porque está fora, porque está na periferia”, concluiu.

Saiba tudo o que aconteceu no primeiro dia do Fórum, painel por painel, acessando aqui a matéria completa. Continue acompanhando as redes sociais da UWB para participar de novos debates e ações sobre a metodologia impacto coletivo.

Ações para incluir populações invisibilizadas, garantindo equidade, e o papel das empresas foram os temas do 1º Dia do Fórum Latino-Americano De Impacto Coletivo

Nesta matéria, confira a síntese dos três painéis do dia 19, com mensagens-chave sobre a importância da colaboração e de uma atuação horizontal para envolver diferentes atores, trazendo equidade como pilar das mudanças sistêmicas e sustentáveis.

Iniciativa da UWB, em parceria com a UW da Colômbia e UW do México, com curadoria da FSG, o Fórum Latino-Americano de Impacto Coletivo, realizado dias 19 e 20 de outubro, reuniu cerca de 400 pessoas. Os participantes puderam ter acesso a conceitos e práticas de diferentes países, que estão enfrentando desafios socioambientais complexos, para gerar mudanças sistêmicase sustentáveis em diferentes regiões do mundo.

A atuação coletiva, colaborativa e horizontal tem sido a fórmula mais eficiente para estruturar estratégias capazes de resolver ou mitigar problemas que impedem pessoas e comunidades de prosperarem. No entanto, sem equidade, especialmente a racial, a metodologia impacto coletivo tende a não alcançar o sucesso esperado. Por isso, a revisitação sobre o conceito, que agora inclui e coloca a equidade no centro, foi o tema que abriu a programação.

Abertura do evento

Gabriella Bighetti, diretora executiva da UWB, abriu o Fórum ao lado de Cristina Gutierrez, diretora executiva da UW Colômbia, e Victor García, diretor de inovação e desenvolvimento da UW do México. Para Gabriela, “a metodologia impacto coletivo pressupõe um trabalho integrado entre membros da comunidade, organizações e instituições multissetoriais, que promovem a equidade por meio de aprendizado e de ações concretas, alinhando às iniciativas de cada um com o objetivo de alcançar mudanças sistêmicas”. Ela lembra que a metodologia foi criada há mais de 10 anos, nos Estados Unidos, mas ainda é pouco difundida na América Latina, por isso a realização de um fórum com essa abrangência.

Para Cristina Gutierrez, incluira equidade como pilar fundamental do conceito da metodologia impacto coletivo foi essencial. “Sem equidade não vamos resolver as desigualdades e continuaremos vivendo contextos com pobreza, racismo estrutural, violência, desemprego, falta de equidade de gênero e, obviamente, a falta de acesso aos direitos pelos grupos minorizados. Estamos vivenciando um período de pós pandemia que realmente impactou nossos países e precisamos ter um olhar renovado para conseguir mudanças transformadoras”.

A América Latina sofreu uma grande onda de problemas e temos que reconstruir o contexto social e econômico da população. Nos dois dias deste fórum, nós queremos ter uma conversa sobre o papel de cada um nessa equação, nesse contexto, e a força das parcerias é a chave para mitigar os efeitos negativos destes tempos em que o capital humano e as comunidades têm o papel de discutir e difundir experiências que já mudaram realidades”, afirmou Vitor.

Na abertura, a plateia pode assistir à apresentação artística do grupo Surarás do Tapajós, o primeiro grupo de carimbó de Alter do Chão, do Oeste do Pará, composto somente por mulheres e o único brasileiro só com mulheres indígenas.

Priorizar a equidade no impacto coletivo: atualização e aprendizados

Mediada por Marcelo Rocha, fundador e diretor-executivo do Instituto Ayíka, o primeiro painel trouxe o conceito impacto coletivo revisitado, com a inclusão da equidade racial como pilar da metodologia, nas vozes de seus criadores, John Kania, pesquisador, diretor-executivo do Colletive Chang Lab, um dos autores da metodologia impacto coletivo e do artigo “Priorizar a  equidade no impacto coletivo”, e Junious Williams, diretor do Junious Williams Consulting, Inc. e conselheiro sênior do Colletive Impact Forum, também um dos autores do artigo revistado.

John explicou que a ideia de estruturar a metodologia veio da percepção de que muitas organizações trabalhavam pelas mesmas causas, mas de forma independente, com seus financiadores. Os resultados muitas vezes eram mínimos e/ou descontinuados. A metodologia traz essa visão colaborativa e horizontal, juntando todo mundo em um ecossistema articulado e organizado. Com o tempo, perceberam que os avanços sociais das iniciativas de impacto coletivo ainda eram tímidos e que faltava um ingrediente essencial: a equidade, especialmente a racial, que precisa estar presente em todas as etapas que compõem uma ação baseada no impacto coletivo. Por isso, o artigo original, lançado há dez anos, que definia o conceito da metodologia, foi reescrito, incluindo a equidade racial. “Percebemos que o processo é tão importante quanto o produto, portanto, o impacto coletivo envolve trabalhar em escala e isso exige um aprofundamento do conhecimento e da definição do que representa. Evoluímos nessa definição, agora mais apropriada, que pode levar à equidade e à justiça no mundo”, afirmou John.

Junious chamou a atenção para a questão da equidade na prática: “Tem uma diferença entre incluir e pertencer. Quando eu incluo, eu tenho uma mesa e convido você para a minha mesa. Não mudo nada porque a mesa é minha e você é um visitante. Esse é um problema estrutural das sociedades, dos sistemas que foram construídos sem equidade. Mas não é suficiente ser convidado para uma mesa que não foi estruturada pensando em mim ou em outras diversidades da população. Isso é incluir, não é pertencer. Pertencer significa que eu te convido com a proposta de cocriar uma mesa que vai funcionar para todos e é isso o que a gente quer dizer com pertencer. É fundamentalmente importante porque se todos os grupos interessados, todos os stakeholders, não forem engajados desde a concepção, o projeto é ilegítimo e não vai funcionar para o benefício de todos os grupos, então tem a ver com representação, tem a ver com quem está sentado à mesa, tomando as decisões para a equidade”.

Marcelo contextualizou o cenário brasileiro, especialmente no que diz respeito às lideranças. “No Brasil, a gente tem uma população com 50.7% de pessoas negras e 70% da população mais pobre é majoritariamente negra. Esses dados se relacionam com essa questão da estrutura social, de quem ocupa os lugares de lideranças, os espaços estruturais da sociedade. Ver um jovem negro da minha idade, dirigindo uma organização é uma coisa completamente rara no nosso país”. 

Para Junious, os padrões de discriminação tiraram das pessoas negras as oportunidades de exercerem a liderança. “Precisamos ter certeza de que estamos investindo na geração atual de líderes e nas próximas gerações também para termos sistemas e estruturas que ajudem negras e negros a desenvolverem suas habilidades de liderança. Haverá sempre líderes visíveis, mas a gente sabe que liderar até movimentos menores também é crítico, é preciso ter uma continuidade de pessoas que vão se tornar líderes dessas lutas”, reforçou. 

Experiências que transformam populações vulneráveis e invisibilizadas 

A mediação deste painel foi feita por Lívia Lima da Silva, jornalista,cofundadora e editora do “Nós Mulheres da Periferia”. Ao lado dela, o Fórum recebeu representantes de iniciativas de impacto coletivo implementadas nos EUA (Texas e Havaí), na Índia e no Brasil.

A primeira a expor a experiência foi Laura Koening, diretora de soluções comunitárias da E3 Alliance. Ela apresentou o projeto que utiliza dados, evidências e atuação colaborativa para melhorar a aprendizagem dos alunos e diminuir as desigualdades, da infância à idade adulta, em Austin, no Texas.

O projeto “Os caminhos de matemática”, implementado em 2017, pretendia ajudar estudantes a avançarem na aprendizagem, já que apresentavam baixa performance na disciplina, o que tende a afetar a mobilidade dos alunos nas suas vidas produtivas no futuro. Mas havia disparidade no progresso desses estudantes. Negros e negras não conseguiam chegar ao resultado esperado, em comparação com estudantes brancos. Por isso, o grupo gestor se reuniu para identificar o que gerava essa desigualdade, fez uma pesquisa com os grupos interessados e criou recomendações para uma política local e para mudanças práticas. “Isso apoiou e engajou alunos e famílias e a gente rastreou esses dados ao longo do tempo. Hoje a maioria dos estudantes negros (mais de 80%) estão dentro dos resultados esperados de aprendizagem. Em 2018, esse índice era de 20%”, explicou Laura.

O segundo case foi apresentado por Maria Bystedt, líder de estratégia da H&M Foundation, e Akshay Soni, diretor do The Nudge Institute., organizações que compõe a iniciativa Saamuhika Shakti, em Bangalore, a primeira ação de impacto coletivo na Índia. O projeto conta com várias organizações implementadoras que se uniram para garantir aos catadores de recicláveis uma vida digna e renda segura, com foco específico em gênero e equidade. 

Lançado em 2021, tem como um dos pilares a cocriação de soluções com os atores que vivem nesses sistemas e com organizações que já trabalhavam de forma holística para atender as necessidades dos catadores. O Nudge Institute é a organização alicerce, responsável pela coordenação da parceria. “Queremos aliviar problemas que são intangíveis e isso coloca a equidade no centro. Trabalhamos com parceiros e comitê diretor, todos representados na mesa de diálogo. Queremos garantir que todo mundo tenha igual acesso à saúde e cuidar dessa população, por isso, cada parceiro faz suas intervenções e pautam suas iniciativas com base nos feedbacks obtidos nas reuniões com a comunidade”, explicou Akshay.

Para trabalhar a igualdade de gênero, cada parceiro faz a sua abordagem para depois, todos juntos, cocriarem estratégias e customizar as soluções para gerar a transformação pretendida.

Uma das ações foi a campanha “Das garrafas para os botões”. Cada botão de roupa é feito de 30% de plástico reciclável. Os catadores recebem pela coleta desses botões, o que aumenta muito a renda. “Também estamos explorando modelos de negócios conduzidos por catadores de lixo para a reciclagem”, reforçou Maria.

O terceiro case foi apresentado por Janice Ikeda, diretora-executiva da Vibrant Hawaii, uma experiência de implementação de microfinanciamentos para gerar oportunidades de desenvolvimento econômico ao povo indígena nativo do Havaí.

Com base em dados, a organização definiu o perfil da população da ilha, que possui um alto nível de pobreza e de pessoas que não conseguem acessar necessidades básicas. Envolveram governo, organizações filantrópicas, áreas da educação e do serviço social e pessoas interessadas em apoiar o desenvolvimento local. Também escutaram a população para começar a construir uma comunidade vibrante. “As pessoas não precisam ouvir o que elas precisam fazer, elas só precisam ser lembradas de quem são e a gente viu essa questão em diferentes narrativas dentro da comunidade”, explicou Janice.

As principais áreas trabalhadas para o desenvolvimento do Havaí são educação, economia, saúde e bem-estar. Na economia, reuniram mais de 300 stakeholders de todos os setores e distritos da ilha, para projetar uma estratégia econômica abrangente que fosse levada ao órgão federal, garantindo repasses que atendessem às expectativas e necessidades da população havaiana. “A comunidade participou de uma conversa sobre o que deveria ser incluído como prioridade para investimentos econômicos. Definimos, conjuntamente, que queríamos recursos para artes, saúde e bem-estar, educação, indústrias alimentícias sustentáveis, tecnologia e turismo regenerativo. Tudo foi incluído em um documento robusto, compartilhado com a comunidade. Oferecemos prêmios de até 2 mil dólares para a população dar sugestões sobre como trabalhar os temas solucionados. Tivemos dois grupos formados por 40 empreendedores e conseguimos mais investimentos com os governos”, contou.

O último painel foi sobre a experiência brasileira, apresentada por Thais Ferraz, diretora institucional do Instituto Arapyaú, para desenvolver a região do litoral sul baiano, onde o cacau é produzido.

“As árvores de cacau convivem com árvores nativas da Floresta da Mata Atlântica, o que requer uma série de serviços ambientais que são providos por esse sistema, mas que não necessariamente geram renda para as populações. A produção se dá, na sua maior parte, por meio da agricultura familiar. A partir de vários estudos desenvolvidos em colaboração, identificamos que os produtores têm uma renda abaixo do que acreditamos ser suficiente e aceitável e uma produtividade também abaixo do que eles podem alcançar. Uma das causas desse problema é a falta de acesso ao crédito”, explicou Thais.

Uma rede de parceiros estruturou o modelo de crédito em um blended finance, em que o capital filantrópico ajuda a estruturar e atrair investimentos que buscam retorno, conseguindo mobilizar mais de R$1 milhão para beneficiar 134 pequenos produtores, viabilizando a oferta de assistência técnica para eles. “Um ano depois, obtivemos um aumento de renda média de quase 40% para cada produtor. Entre as mulheres esse aumento foi ainda maior, de quase 44%, com uma inadimplência de apenas 0,48%”, celebrou. 

O Instituto Arapyaú ajudou a desenhar a iniciativa e fez o investimento filantrópico. Com o Instituto Humanize e especialistas na área ambiental desenharam o produto financeiro, denominado Título Verde. A operação é feita por uma organização comunitária que tem um profundo conhecimento do território, o que garante o sucesso da iniciativa. “A conexão com o público-alvo é muito importante. Ouvir as pessoas que estão sendo impactadas por essa iniciativa é fundamental”, concluiu. 

O papel das Empresas no Impacto Coletivo: Uma relação com a Agenda ESG

Este painel foi mediado por Silvana Caro, diretora-executiva da consultoria de sustentabilidade Soluciones Conjuntas, especializada em  relacionamento estratégico e gestão de alianças, no Peru.

Os painelistas convidados compartilharam o potencial e a importância das empresas na articulação e/ou apoio de inciativas de impacto coletivo.

Professor Heiko Spitzeck, Gerente do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral, introduziu o tema trazendo conceitos e práticas que relacionam a participação das empresas nas mudanças sistêmicas, alavancando a agenda ESG.

Usando exemplos práticos, de corporações de grande porte, ele levantou reflexões importantes como a necessidade de as pessoas que atuam na área de responsabilidade social criarem um sentido econômico para as empresas se engajarem na agenda ESG. Por exemplo, os riscos de perderem clientes e acionistas por não estar em acordo com questões socioambientais consideradas primordiais atualmente. “A lógica aqui, muitas vezes, é de uma pressão que a empresa tem para resolver um problema socioambiental e ela entende que não é um desafio somente dela, mas de outras organizações também e, juntas, podem colaborar para superar esse desafio”, explicou.

Depois dessa fala, Gianina Jimenez, Head de Comunicação, Sustentabilidade e Assuntos Corporativos do Grupo AJE, do Peru, produtora de alimentos presente em quatro países, apresentou o case de sua empresa.

Desde 2019, a AJE assumiu a missão de liderar uma revolução natural para mudar a forma como as pessoas se relacionam com o que o planeta fornece, reforçando o valor da biodiversidade e o legado cultural dos países onde estão presentes, por meio do empoderando das comunidades. Para isso, desenvolveram o projeto Super Frutos que Conservam Florestas, que oferece formação, assistência técnica e organização dos produtores, com remunerações justas pelo trabalho e pela produção. “É bom para o meio ambiente, porque estamos preservando as áreas de reserva nacional, e, também, é bom para quem consome, porque aproveitamos todos os benefícios dos frutos da Amazônia. Por meio do projeto, conseguimos comprar mais de 700 mil quilos diretamente dos produtores, beneficiando mais de 200 famílias, capacitando 24 comunidades e provendo quatro áreas naturais protegidas”, explicou. Toda a operação é feita por meio de parcerias com organizações e o governo peruano. O modelo deu certo e está sendo implementado na Tailândia, onde a empresa tem sede. 

Para encerrar o painel, e o primeiro dia do Fórum, Maike Von Heymann, Gerente de Parceria e Desenvolvimento Socioeconômico da Anglo American, compartilhou a experiência da empresa britânica de mineração com operações na África do Sul e na América Latina. “Temos uma rede de sustentabilidade e um dos eixos-chave é o que chamamos de ‘Desenvolvimento Regional Colaborativo’, uma plataforma colaborativa para impulsionar as regiões onde temos sedes. A plataforma foi projetada com base nos princípios do impacto coletivo atuando com uma rede de atores diversos: setores privado e público, sociedade civil, ONGs e instituições que possuam a mesma visão de desenvolvimento socioeconômico”, explicou Maike.

Segundo ela, a empresa tem uma visão de longo prazo e para além das operações de mineração, focando na diversificação econômica com utilização e reaproveitamento da inovação, tecnologia e do valor agregado a todos os atores participantes.

No Peru, essa plataforma foi implementada em 2019 e se chama Moquegua Crece. Na tomada de decisão, todos os parceiros têm o mesmo peso de voto. “Estamos implementando projetos de desenvolvimento de cadeias de valor com um foco de hidrogênio verde e fizemos uma pesquisa com uma associação no Peru. Sobre o uso dos recursos naturais, focamos na água com o lançamento de um projeto-piloto para o manejo sustentável dos recursos hídricos. Para nós, é muito importante que façamos essas ações colaborativas vinculadas ao nosso propósito de reconfigurar o setor da mineração para que consiga melhorar a vida das pessoas, criando benefícios para todos os atores”, concluiu.

Durante os painéis do primeiro dia, a audiência pode interagir com os temas, construindo nuvens de palavras, contando histórias pessoais relacionadas ao impacto coletivo e respondendo ao quizz, além de encaminhar perguntas aos palestrantes.

Equidade racial é tema do Fórum Latino-americano de Impacto Coletivo

Realizado pela UWB (United Way Brasil), em parceria com as UW da Colômbia e do  México, o evento on-line reunirá nos dias 19 e 20 de outubro, especialistas de  diferentes países para compartilhar conhecimentos e práticas que utilizam a  metodologia impacto coletivo com o propósito de enfrentar desafios socioeconômicos  e ambientais complexos. 

As inscrições já estão abertas e podem ser feitas na  página: https://uwb.org.br/forum/

O Fórum Latino-americano de Impacto Coletivo irá reunir, ao vivo,  no YouTube, representantes de instituições, fundações, organizações sociais,  Academia, poder público, empresas e interessados no tema. O objetivo é ampliar o  debate sobre a importância de uma atuação coletiva, colaborativa e horizontal para  formular estratégias eficientes capazes de resolver ou mitigar problemas que impedem  pessoas e comunidades de prosperarem, comprometendo a sustentabilidade do  planeta. 

Nesta edição do fórum, a equidade, especialmente a racial, é o tema central dos  diálogos e debates, entendendo que promovê-la é essencial para que as ações sejam,  de fato, sistêmicas e sustentáveis. Por isso, a importância de se ter clareza sobre o  conceito da equidade definida como “a imparcialidade e a justiça alcançadas por meio  da avaliação sistemática das disparidades em oportunidades, resultados e  representações e a reparação dessas distorções excludentes por meio de ações  intencionais e direcionadas” (artigo Priorizar a equidade no impacto coletivo). 

O foco na equidade racial se sustenta na realidade histórica enfrentada pelas pessoas  negras, frequentemente marginalizadas estrutural, institucional e interpessoalmente  nos diferentes países. Focar nessa equidade nos permite apresentar ferramentas e  recursos que podem ser aplicados em outros segmentos sujeitos à exclusão – pessoas  com deficiência, orientação sexual, gênero, classe social, casta, etnia, religião etc. 

Convidados internacionais e nacionais trarão diferentes práticas  No primeiro dia do evento, John Kania, pesquisador e cocriador da metodologia de  impacto coletivo, em 2011, e Junious Williams, conselheiro sênior do Colletive Impact  Forum, irão explicar como se deu a reformulação do conceito que define a  metodologia, revisitado após dez anos, para tornar as ações mais efetivas. Suas explanações terão, como base, o artigo “Priorizar a equidade no impacto coletivo”,  escrito por eles e outros especialistas, publicado na revista Stanford Social Innovation  Review. 

O dia será pontuado por apresentações sobre experiências de impacto coletivo de  países dentro e fora da América Latina, com foco na equidade racial. Também trará o  painel O papel das empresas no Impacto Coletivo: uma relação com a agenda ESG,  que terá a introdução conceitual do Prof. Heiko Spitzeck, professor na área de  sustentabilidade e Gerente do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral.

No segundo dia do fórum, lideranças e jovens-potência do Brasil, da Colômbia e do  México, do movimento internacional Global Opportunity Youth Network (GOYN), irão  compartilhar suas experiências territoriais, indicando a relevância da iniciativa para  engajar e mobilizar jovens-potência, colocando-os no centro da rede de articulação de  oportunidades formativas para promover a inclusão produtiva de juventudes. 

O painel “Impacto Coletivo como uma das tendências do investimento social  privado” trará dados e percepções de especialistas e pesquisadores, além de relatos  de práticas bem-sucedidas, nacionais e internacionais, para evidenciar o potencial da  metodologia impacto coletivo para o contexto e fortalecimento do investimento social  privado no Brasil. 

No painel Papel das organizações que atuam como backbone em projetos de Impacto  Coletivo, mediado por Jennifer Splansky Juster, diretora-executiva da FSG, será  debatido o papel fundamental das instituições que atuam como parceiras  articuladoras de iniciativas que utilizam a metodologia impacto coletivo para enfrentar  problemas sociais complexos. Toda a programação do Fórum Latino-americano de Impacto Coletivo está disponível  na página do evento.