Ações para incluir populações invisibilizadas, garantindo equidade, e o papel das empresas foram os temas do 1º Dia do Fórum Latino-Americano De Impacto Coletivo

Nesta matéria, confira a síntese dos três painéis do dia 19, com mensagens-chave sobre a importância da colaboração e de uma atuação horizontal para envolver diferentes atores, trazendo equidade como pilar das mudanças sistêmicas e sustentáveis.

Iniciativa da UWB, em parceria com a UW da Colômbia e UW do México, com curadoria da FSG, o Fórum Latino-Americano de Impacto Coletivo, realizado dias 19 e 20 de outubro, reuniu cerca de 400 pessoas. Os participantes puderam ter acesso a conceitos e práticas de diferentes países, que estão enfrentando desafios socioambientais complexos, para gerar mudanças sistêmicase sustentáveis em diferentes regiões do mundo.

A atuação coletiva, colaborativa e horizontal tem sido a fórmula mais eficiente para estruturar estratégias capazes de resolver ou mitigar problemas que impedem pessoas e comunidades de prosperarem. No entanto, sem equidade, especialmente a racial, a metodologia impacto coletivo tende a não alcançar o sucesso esperado. Por isso, a revisitação sobre o conceito, que agora inclui e coloca a equidade no centro, foi o tema que abriu a programação.

Abertura do evento

Gabriella Bighetti, diretora executiva da UWB, abriu o Fórum ao lado de Cristina Gutierrez, diretora executiva da UW Colômbia, e Victor García, diretor de inovação e desenvolvimento da UW do México. Para Gabriela, “a metodologia impacto coletivo pressupõe um trabalho integrado entre membros da comunidade, organizações e instituições multissetoriais, que promovem a equidade por meio de aprendizado e de ações concretas, alinhando às iniciativas de cada um com o objetivo de alcançar mudanças sistêmicas”. Ela lembra que a metodologia foi criada há mais de 10 anos, nos Estados Unidos, mas ainda é pouco difundida na América Latina, por isso a realização de um fórum com essa abrangência.

Para Cristina Gutierrez, incluira equidade como pilar fundamental do conceito da metodologia impacto coletivo foi essencial. “Sem equidade não vamos resolver as desigualdades e continuaremos vivendo contextos com pobreza, racismo estrutural, violência, desemprego, falta de equidade de gênero e, obviamente, a falta de acesso aos direitos pelos grupos minorizados. Estamos vivenciando um período de pós pandemia que realmente impactou nossos países e precisamos ter um olhar renovado para conseguir mudanças transformadoras”.

A América Latina sofreu uma grande onda de problemas e temos que reconstruir o contexto social e econômico da população. Nos dois dias deste fórum, nós queremos ter uma conversa sobre o papel de cada um nessa equação, nesse contexto, e a força das parcerias é a chave para mitigar os efeitos negativos destes tempos em que o capital humano e as comunidades têm o papel de discutir e difundir experiências que já mudaram realidades”, afirmou Vitor.

Na abertura, a plateia pode assistir à apresentação artística do grupo Surarás do Tapajós, o primeiro grupo de carimbó de Alter do Chão, do Oeste do Pará, composto somente por mulheres e o único brasileiro só com mulheres indígenas.

Priorizar a equidade no impacto coletivo: atualização e aprendizados

Mediada por Marcelo Rocha, fundador e diretor-executivo do Instituto Ayíka, o primeiro painel trouxe o conceito impacto coletivo revisitado, com a inclusão da equidade racial como pilar da metodologia, nas vozes de seus criadores, John Kania, pesquisador, diretor-executivo do Colletive Chang Lab, um dos autores da metodologia impacto coletivo e do artigo “Priorizar a  equidade no impacto coletivo”, e Junious Williams, diretor do Junious Williams Consulting, Inc. e conselheiro sênior do Colletive Impact Forum, também um dos autores do artigo revistado.

John explicou que a ideia de estruturar a metodologia veio da percepção de que muitas organizações trabalhavam pelas mesmas causas, mas de forma independente, com seus financiadores. Os resultados muitas vezes eram mínimos e/ou descontinuados. A metodologia traz essa visão colaborativa e horizontal, juntando todo mundo em um ecossistema articulado e organizado. Com o tempo, perceberam que os avanços sociais das iniciativas de impacto coletivo ainda eram tímidos e que faltava um ingrediente essencial: a equidade, especialmente a racial, que precisa estar presente em todas as etapas que compõem uma ação baseada no impacto coletivo. Por isso, o artigo original, lançado há dez anos, que definia o conceito da metodologia, foi reescrito, incluindo a equidade racial. “Percebemos que o processo é tão importante quanto o produto, portanto, o impacto coletivo envolve trabalhar em escala e isso exige um aprofundamento do conhecimento e da definição do que representa. Evoluímos nessa definição, agora mais apropriada, que pode levar à equidade e à justiça no mundo”, afirmou John.

Junious chamou a atenção para a questão da equidade na prática: “Tem uma diferença entre incluir e pertencer. Quando eu incluo, eu tenho uma mesa e convido você para a minha mesa. Não mudo nada porque a mesa é minha e você é um visitante. Esse é um problema estrutural das sociedades, dos sistemas que foram construídos sem equidade. Mas não é suficiente ser convidado para uma mesa que não foi estruturada pensando em mim ou em outras diversidades da população. Isso é incluir, não é pertencer. Pertencer significa que eu te convido com a proposta de cocriar uma mesa que vai funcionar para todos e é isso o que a gente quer dizer com pertencer. É fundamentalmente importante porque se todos os grupos interessados, todos os stakeholders, não forem engajados desde a concepção, o projeto é ilegítimo e não vai funcionar para o benefício de todos os grupos, então tem a ver com representação, tem a ver com quem está sentado à mesa, tomando as decisões para a equidade”.

Marcelo contextualizou o cenário brasileiro, especialmente no que diz respeito às lideranças. “No Brasil, a gente tem uma população com 50.7% de pessoas negras e 70% da população mais pobre é majoritariamente negra. Esses dados se relacionam com essa questão da estrutura social, de quem ocupa os lugares de lideranças, os espaços estruturais da sociedade. Ver um jovem negro da minha idade, dirigindo uma organização é uma coisa completamente rara no nosso país”. 

Para Junious, os padrões de discriminação tiraram das pessoas negras as oportunidades de exercerem a liderança. “Precisamos ter certeza de que estamos investindo na geração atual de líderes e nas próximas gerações também para termos sistemas e estruturas que ajudem negras e negros a desenvolverem suas habilidades de liderança. Haverá sempre líderes visíveis, mas a gente sabe que liderar até movimentos menores também é crítico, é preciso ter uma continuidade de pessoas que vão se tornar líderes dessas lutas”, reforçou. 

Experiências que transformam populações vulneráveis e invisibilizadas 

A mediação deste painel foi feita por Lívia Lima da Silva, jornalista,cofundadora e editora do “Nós Mulheres da Periferia”. Ao lado dela, o Fórum recebeu representantes de iniciativas de impacto coletivo implementadas nos EUA (Texas e Havaí), na Índia e no Brasil.

A primeira a expor a experiência foi Laura Koening, diretora de soluções comunitárias da E3 Alliance. Ela apresentou o projeto que utiliza dados, evidências e atuação colaborativa para melhorar a aprendizagem dos alunos e diminuir as desigualdades, da infância à idade adulta, em Austin, no Texas.

O projeto “Os caminhos de matemática”, implementado em 2017, pretendia ajudar estudantes a avançarem na aprendizagem, já que apresentavam baixa performance na disciplina, o que tende a afetar a mobilidade dos alunos nas suas vidas produtivas no futuro. Mas havia disparidade no progresso desses estudantes. Negros e negras não conseguiam chegar ao resultado esperado, em comparação com estudantes brancos. Por isso, o grupo gestor se reuniu para identificar o que gerava essa desigualdade, fez uma pesquisa com os grupos interessados e criou recomendações para uma política local e para mudanças práticas. “Isso apoiou e engajou alunos e famílias e a gente rastreou esses dados ao longo do tempo. Hoje a maioria dos estudantes negros (mais de 80%) estão dentro dos resultados esperados de aprendizagem. Em 2018, esse índice era de 20%”, explicou Laura.

O segundo case foi apresentado por Maria Bystedt, líder de estratégia da H&M Foundation, e Akshay Soni, diretor do The Nudge Institute., organizações que compõe a iniciativa Saamuhika Shakti, em Bangalore, a primeira ação de impacto coletivo na Índia. O projeto conta com várias organizações implementadoras que se uniram para garantir aos catadores de recicláveis uma vida digna e renda segura, com foco específico em gênero e equidade. 

Lançado em 2021, tem como um dos pilares a cocriação de soluções com os atores que vivem nesses sistemas e com organizações que já trabalhavam de forma holística para atender as necessidades dos catadores. O Nudge Institute é a organização alicerce, responsável pela coordenação da parceria. “Queremos aliviar problemas que são intangíveis e isso coloca a equidade no centro. Trabalhamos com parceiros e comitê diretor, todos representados na mesa de diálogo. Queremos garantir que todo mundo tenha igual acesso à saúde e cuidar dessa população, por isso, cada parceiro faz suas intervenções e pautam suas iniciativas com base nos feedbacks obtidos nas reuniões com a comunidade”, explicou Akshay.

Para trabalhar a igualdade de gênero, cada parceiro faz a sua abordagem para depois, todos juntos, cocriarem estratégias e customizar as soluções para gerar a transformação pretendida.

Uma das ações foi a campanha “Das garrafas para os botões”. Cada botão de roupa é feito de 30% de plástico reciclável. Os catadores recebem pela coleta desses botões, o que aumenta muito a renda. “Também estamos explorando modelos de negócios conduzidos por catadores de lixo para a reciclagem”, reforçou Maria.

O terceiro case foi apresentado por Janice Ikeda, diretora-executiva da Vibrant Hawaii, uma experiência de implementação de microfinanciamentos para gerar oportunidades de desenvolvimento econômico ao povo indígena nativo do Havaí.

Com base em dados, a organização definiu o perfil da população da ilha, que possui um alto nível de pobreza e de pessoas que não conseguem acessar necessidades básicas. Envolveram governo, organizações filantrópicas, áreas da educação e do serviço social e pessoas interessadas em apoiar o desenvolvimento local. Também escutaram a população para começar a construir uma comunidade vibrante. “As pessoas não precisam ouvir o que elas precisam fazer, elas só precisam ser lembradas de quem são e a gente viu essa questão em diferentes narrativas dentro da comunidade”, explicou Janice.

As principais áreas trabalhadas para o desenvolvimento do Havaí são educação, economia, saúde e bem-estar. Na economia, reuniram mais de 300 stakeholders de todos os setores e distritos da ilha, para projetar uma estratégia econômica abrangente que fosse levada ao órgão federal, garantindo repasses que atendessem às expectativas e necessidades da população havaiana. “A comunidade participou de uma conversa sobre o que deveria ser incluído como prioridade para investimentos econômicos. Definimos, conjuntamente, que queríamos recursos para artes, saúde e bem-estar, educação, indústrias alimentícias sustentáveis, tecnologia e turismo regenerativo. Tudo foi incluído em um documento robusto, compartilhado com a comunidade. Oferecemos prêmios de até 2 mil dólares para a população dar sugestões sobre como trabalhar os temas solucionados. Tivemos dois grupos formados por 40 empreendedores e conseguimos mais investimentos com os governos”, contou.

O último painel foi sobre a experiência brasileira, apresentada por Thais Ferraz, diretora institucional do Instituto Arapyaú, para desenvolver a região do litoral sul baiano, onde o cacau é produzido.

“As árvores de cacau convivem com árvores nativas da Floresta da Mata Atlântica, o que requer uma série de serviços ambientais que são providos por esse sistema, mas que não necessariamente geram renda para as populações. A produção se dá, na sua maior parte, por meio da agricultura familiar. A partir de vários estudos desenvolvidos em colaboração, identificamos que os produtores têm uma renda abaixo do que acreditamos ser suficiente e aceitável e uma produtividade também abaixo do que eles podem alcançar. Uma das causas desse problema é a falta de acesso ao crédito”, explicou Thais.

Uma rede de parceiros estruturou o modelo de crédito em um blended finance, em que o capital filantrópico ajuda a estruturar e atrair investimentos que buscam retorno, conseguindo mobilizar mais de R$1 milhão para beneficiar 134 pequenos produtores, viabilizando a oferta de assistência técnica para eles. “Um ano depois, obtivemos um aumento de renda média de quase 40% para cada produtor. Entre as mulheres esse aumento foi ainda maior, de quase 44%, com uma inadimplência de apenas 0,48%”, celebrou. 

O Instituto Arapyaú ajudou a desenhar a iniciativa e fez o investimento filantrópico. Com o Instituto Humanize e especialistas na área ambiental desenharam o produto financeiro, denominado Título Verde. A operação é feita por uma organização comunitária que tem um profundo conhecimento do território, o que garante o sucesso da iniciativa. “A conexão com o público-alvo é muito importante. Ouvir as pessoas que estão sendo impactadas por essa iniciativa é fundamental”, concluiu. 

O papel das Empresas no Impacto Coletivo: Uma relação com a Agenda ESG

Este painel foi mediado por Silvana Caro, diretora-executiva da consultoria de sustentabilidade Soluciones Conjuntas, especializada em  relacionamento estratégico e gestão de alianças, no Peru.

Os painelistas convidados compartilharam o potencial e a importância das empresas na articulação e/ou apoio de inciativas de impacto coletivo.

Professor Heiko Spitzeck, Gerente do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral, introduziu o tema trazendo conceitos e práticas que relacionam a participação das empresas nas mudanças sistêmicas, alavancando a agenda ESG.

Usando exemplos práticos, de corporações de grande porte, ele levantou reflexões importantes como a necessidade de as pessoas que atuam na área de responsabilidade social criarem um sentido econômico para as empresas se engajarem na agenda ESG. Por exemplo, os riscos de perderem clientes e acionistas por não estar em acordo com questões socioambientais consideradas primordiais atualmente. “A lógica aqui, muitas vezes, é de uma pressão que a empresa tem para resolver um problema socioambiental e ela entende que não é um desafio somente dela, mas de outras organizações também e, juntas, podem colaborar para superar esse desafio”, explicou.

Depois dessa fala, Gianina Jimenez, Head de Comunicação, Sustentabilidade e Assuntos Corporativos do Grupo AJE, do Peru, produtora de alimentos presente em quatro países, apresentou o case de sua empresa.

Desde 2019, a AJE assumiu a missão de liderar uma revolução natural para mudar a forma como as pessoas se relacionam com o que o planeta fornece, reforçando o valor da biodiversidade e o legado cultural dos países onde estão presentes, por meio do empoderando das comunidades. Para isso, desenvolveram o projeto Super Frutos que Conservam Florestas, que oferece formação, assistência técnica e organização dos produtores, com remunerações justas pelo trabalho e pela produção. “É bom para o meio ambiente, porque estamos preservando as áreas de reserva nacional, e, também, é bom para quem consome, porque aproveitamos todos os benefícios dos frutos da Amazônia. Por meio do projeto, conseguimos comprar mais de 700 mil quilos diretamente dos produtores, beneficiando mais de 200 famílias, capacitando 24 comunidades e provendo quatro áreas naturais protegidas”, explicou. Toda a operação é feita por meio de parcerias com organizações e o governo peruano. O modelo deu certo e está sendo implementado na Tailândia, onde a empresa tem sede. 

Para encerrar o painel, e o primeiro dia do Fórum, Maike Von Heymann, Gerente de Parceria e Desenvolvimento Socioeconômico da Anglo American, compartilhou a experiência da empresa britânica de mineração com operações na África do Sul e na América Latina. “Temos uma rede de sustentabilidade e um dos eixos-chave é o que chamamos de ‘Desenvolvimento Regional Colaborativo’, uma plataforma colaborativa para impulsionar as regiões onde temos sedes. A plataforma foi projetada com base nos princípios do impacto coletivo atuando com uma rede de atores diversos: setores privado e público, sociedade civil, ONGs e instituições que possuam a mesma visão de desenvolvimento socioeconômico”, explicou Maike.

Segundo ela, a empresa tem uma visão de longo prazo e para além das operações de mineração, focando na diversificação econômica com utilização e reaproveitamento da inovação, tecnologia e do valor agregado a todos os atores participantes.

No Peru, essa plataforma foi implementada em 2019 e se chama Moquegua Crece. Na tomada de decisão, todos os parceiros têm o mesmo peso de voto. “Estamos implementando projetos de desenvolvimento de cadeias de valor com um foco de hidrogênio verde e fizemos uma pesquisa com uma associação no Peru. Sobre o uso dos recursos naturais, focamos na água com o lançamento de um projeto-piloto para o manejo sustentável dos recursos hídricos. Para nós, é muito importante que façamos essas ações colaborativas vinculadas ao nosso propósito de reconfigurar o setor da mineração para que consiga melhorar a vida das pessoas, criando benefícios para todos os atores”, concluiu.

Durante os painéis do primeiro dia, a audiência pode interagir com os temas, construindo nuvens de palavras, contando histórias pessoais relacionadas ao impacto coletivo e respondendo ao quizz, além de encaminhar perguntas aos palestrantes.