Confira, nesta matéria, a síntese dos painéis do dia 20, com as principais experiências e reflexões sobre a metodologia impacto coletivo como estratégia para ações sistêmicas e sustentáveis que trazem a equidade racial como componente central para garantir eficiência.
Em parceria com a UW da Colômbia e UW do México, e curadoria de conteúdos da FSG, a UWB realizou o Fórum Latino-Americano de Impacto Coletivo, dias 19 e 20 de outubro, reunindo cerca de 400 pessoas. O objetivo do evento é promover o acesso a conceitos e práticas de diferentes países para inspirar instituições da América Latina no enfrentamento de desafios socioambientais complexos, utilizando a metodologia.
GOYN: Inovação na inclusão produtiva de jovens potência. Ter o público-alvo de iniciativas do impacto coletivo como protagonistas
O primeiro painel do dia apresentou o movimento internacional Global Opportunity Youth Network (GOYN), na voz de jovens-potência, protagonistas da iniciativa em suas cidades, e coordenadores locais.
A conversa foi introduzida por Joel Miranda, diretor senior de desenvolvimento e lideranças do Aspen Institute, organização que idealizou o GOYN. Ele compartilhou dados sobre a situação das juventudes. “Temos 1.8 bilhão de jovens no mundo e 90% deles vivem em países com economias em desenvolvimento. Deste 1.8 bilhão, 380 milhões de jovens não estão conectados com a educação e o trabalho formais; 70 bilhões estão desempregados, sendo que três dentre quatro jovens são mulheres. Os empregos formais estão sob risco, porque milhares de empresas foram impactadas negativamente pela pandemia da Covid-19”, alertou Joel.
Segundo ele, o GOYN trabalha com organizações-âncora para criar oportunidades a jovens de 15 a 29 anos que estão na escola ou procurando emprego ou que estão fora do mercado de trabalho. Para os próximos 10 anos, a meta é criar uma mudança nesse cenário mundial que possa impactar 350 mil jovens e melhorar a vida de milhões delas e deles, até 2030. O GOYN atua por meio de parcerias com jovens, comunidades, empresas, organizações públicas e privadas e, atualmente, está em nove cidades de sete países na América Latina, África e Índia, tendo conectado mais de 100 mil jovens com oportunidades de desenvolvimento.
“Investimos na formação para que jovens se organizem e levem suas vozes aos espaços mais necessários. Apoiamos diálogos para a criação de soluções e conectamos líderes do GOYN por meio de uma rede de parceiros institucionais. Tudo isso se baseia no pilar da equidade, tendo as juventudes como cocriadoras das soluções e estratégias”, reforçou Joel, que convidou membros do GOYN para contarem suas experiências em seus países.
Maria Paula Macías, coordenadora de Impacto Coletivo no GOYN Colômbia, mostrou a importância de se vencer barreiras e pré-julgamentos sobre jovens, vistos com certa reserva pelos adultos, para a construção coletiva de soluções que os preparem para liderar suas comunidades. “Em Bogotá, juntamos adultos que muitas vezes têm medo de se unir aos jovens em todos os processos. É essencial que sentem todos à mesa, porque, se não fizermos isso, não saberemos exatamente quais são as demandas das juventudes. Dentre as ações que estamos realizando coletivamente, iniciamos um projeto com a Fundação Corona de um laboratório de inovação social com curso de oito meses para jovens desenvolverem suas habilidades de liderança, de advocacy e de comunicação”, explicou.
Sobre a atuação no México, Jaqueline Garcia Cordero, coordenadora de liderança no GOYN México, conta que a cocriação é a chave do sucesso. “Estamos trabalhando em uma ferramenta que chamamos de Toolkit, um fundo que pretende financiar projetos impulsionados por jovens para desenvolverem suas comunidades. Contamos com diferentes comunidades da rede global, em São Paulo, Bogotá e nas comunidades da Índia, tendo como membros jovens do Núcleo Jovem e juventudes vinculadas a outras organizações que integram a rede. A ferramenta ajuda a elaborar projetos e integra diferentes perspectivas. É muito interessante perceber a multiculturalidade dentro desse contexto, colocando todos juntos para pensar soluções. A ferramenta é acessível para todes, inclusive para jovens com deficiência visual e auditiva”, contou.
Nilton Clécio, coordenador de território no GOYN São Paulo, e Jonathan Sales, do Núcleo Jovem, compartilharam as experiências do movimento em São Paulo, onde o GOYN é articulado pela UWB. “Temos 50 Embaixadores do GOYN SP, que passaram por um processo de formação com parceiros técnicos para trabalhar o autoconhecimento, suas características e habilidades, fortalecer a comunicação para dialogar com outros jovens e pessoas de seus territórios e com organizações importantes à causa, tendo conhecimento também da máquina pública. Eles ‘vestem a camisa’”, explicou Nilton.
Outra ação em São Paulo é o Micro Fundo. “A gente atua com jovens de coletivos das zonas sul e leste, onde está o maior número de jovens-potência, que, de fato, precisam de apoio. E o nosso apoio aos coletivos é recurso financeiro e formação. Essas e esses jovens também desenvolveram uma rede de contatos, habilidades de empreendedorismo e de gestão de projetos para colocar suas iniciativas de pé e funcionando”, contou Jonathan.
Para Joel, se queremos avançar com a inclusão produtiva das juventudes, é preciso praticar o diálogo e a escuta. “Faça perguntas, aprenda com os jovens e como eles querem se envolver, crescer e se desenvolver. É nosso objetivo e nossa missão como adultos ajudá-los nisso”, finalizou.
Impacto Coletivo como uma das tendências do investimento social privado
Mediado por Richard Sippli, diretor de operações e relações institucionais no Movimento Bem Maior, o painel reuniu duas grandes organizações: Fundación Rafael Meza Ayau (FRMA), com Carla Meyer de Dumont, diretora-executiva, e Fundação Corona, representada por Natalia Salazar Sarmiento, coordenadora técnica de projetos de educação e emprego, que compartilharem suas experiências relacionadas aos investimentos do ecossistema filantrópico.
Carla trouxe uma reflexão sobre a sustentabilidade de um modelo de ação com base no impacto coletivo. Para os projetos serem perenes, “criamos comitês de sustentabilidade e um comitê principal, representado pelos diferentes atores que participam da execução da iniciativa, durante todo o tempo de implementação. Os atores locais participam e existe uma liderança de base, garantindo que todas as ações feitas no projeto possam continuar. A sustentabilidade é possível com engajamento constante dos atores locais, que já conhecem o projeto e são embaixadores do conceito de impacto coletivo. O comitê tem a responsabilidade de continuar solicitando fundos, executando ações, envolvendo o governo, a cooperação da sociedade civil, igrejas porque isso é fundamental para abordar a questão da sustentabilidade em projetos de impacto coletivo”.
Ela conta que a fundação tem um eixo de formação social cujo papel é fortalecer os parceiros das localidades onde os projetos são implementados para que se se sintam empoderados e percebam que podem levar adiante suas ideias e soluções.
Carla ressaltou a importância de medir o impacto. “Mensurar é importante e acho que essa é uma fraqueza no nosso setor social em El Salvador. Estamos procurando fazer isso e tem sido um desafio alinhar os requisitos de métricas com todas as ONGs, mas é um processo que fortalece cada organização, a qualidade de tudo o que fazemos e que nos ajuda a identificar os líderes para cada assunto”.
Natalia ressaltou que nos projetos desenvolvidos pela Fundação, o investimento em monitoramento e avaliação da aprendizagem são fundamentais para a tomada de decisões, o que permite melhorar a médio prazo o desenho das iniciativas e os resultados. Outra reflexão levantada por Natália é sobre a importância de as organizações abrirem suas mentes. “Normalmente, o público-alvo está no centro da avaliação, são as pessoas que nos motivam a levar adiante todas essas ações, mas primeiro devemos transcender a visão tradicional de monitoramento de projeto, entendendo que estamos tratando de processos mais complexos de longo prazo, o que requer investimentos, riscos, fracassos e avanços”.
Para exemplificar suas ponderações sobre investimentos versus riscos e impasses que precisam ser pensados e testados, ela usou o GOYN, movimento internacional que a Fundação Corona apoia em Bogotá, voltado a inclusão produtiva de jovens em situação de vulnerabilidade socioeconômica. “Temos três questões importantes quando discutimos essa iniciativa. A primeira é como desenhar uma colaboração que realmente permita a articulação de ações que reforcem as trocas entre os diferentes atores do sistema. A segunda questão é como conseguir identificar rotas mais inclusivas voltadas a setores particulares da economia que ofereçam oportunidades para jovens. Por fim, como conquistar a sustentabilidade financeira para a manutenção do projeto.”
O papel das organizações que atuam como backbone em projetos de impacto coletivo
Jennifer Splansky Juster, diretora-executiva da FSG, e diretora do Colletive Impact Forum, foi a responsável por mediar este painel e fazer uma introdução para conceituar o papel desses atores no contexto de ações pautadas pela metodologia impacto coletivo.
As instituições backbone têm o papel de guiar a visão e a estratégia da ação colaborativa. Elas dão apoio ao trabalho e às atividades que estão acontecendo no campo. Estabelecem práticas de medição compartilhada para coletar e reunir dados com o objetivo de acompanhar o progresso e mostrar para as organizações e a comunidade o que está acontecendo. Também influenciam políticas públicas e políticas internas das organizações. Elas mobilizam recursos para realizar o próprio trabalho e para apoiar as iniciativas realizadas com outras organizações. “É importante ressaltar que as organizações backbone devem garantir que os membros da comunidade realmente estejam envolvidos, não só informando o que está acontecendo, mas cocriando todo o trabalho”, explicou Jennifer.
Com relação aos dados, eles são essenciais na tomada de decisões e nos ajustes de percurso das ações de impacto coletivo, como afirmou Adrienne Abbatte, diretora-executiva da Staten Island Partnership For Community Wellness, sediada nos EUA, que trouxe para o diálogo a experiência do projeto Tackling Youth Substance Abuse (TYSA). A iniciativa é uma coalizão para garantir saúde física e mental à população de Staten Island. “O projeto existe há mais de 10 anos, criado para atender ao crescente risco de morte por doenças crônicas entre os adultos. Fomos evoluindo conforme a percepção e dados trazidos pelo monitoramento. Em 2019, vimos que a fragilidade da saúde mental estava relacionada com as doenças, por isso, incluímos esse aspecto no projeto. Identificamos que esse problema impactava populações diferentes de formas diferentes, por exemplo, os adultos negros tinham mais tendência a desenvolver doenças crônicas. Começamos, então, a focar nesses públicos. Isso nos levou a focar no antirracismo, o que exigiu muita capacitação e envolvimento de parceiros. Temos agora um grupo de jovens dedicados à causa, grupos de pessoas LGBTQIA+. Tudo isso foi nos conduzindo a novas abordagens não só no TYSA, mas em outros programas que implementamos”, explicou.
Envelhecer com dignidade é o foco de um dos projetos desenvolvidos pela San Antonio Area Foundation, sediada no Texas (EUA), que reúne mais de 500 fundos financeiros e mais de 1 bilhão de dólares em ativos. Patricia Mejia, vice-presidente de envolvimento da comunidade e impacto, contou que, em San Antônio, 75% da população é formada por latinos e 7% são afrodescendentes. Há muita disparidade na comunidade e, com base em conversas e pesquisas, resolveram investir em ações de impacto coletivo para melhorar as condições de pessoas na terceira idade, para que possam envelhecer com dignidade e segurança. O trabalho começou em 2016 e houve muito progresso desde então. “Temos mais de 40 organizações com mais de 100 pessoas desse público-alvo ajudando a gente a pensar em soluções para suas necessidades, desde mobilidade à moradia adequada, com acessibilidade. Nossas ações buscam influenciar políticas públicas”, explicou.
O case “Primero Lo Primero”, programa para promover o desenvolvimento de crianças colombianas na primeira infância, que usa a metodologia impacto coletivo, foi apresentado por Cristina Gutierrez De Piñeres, CEO da UW Colômbia. Ela contou que, em um primeiro momento, um dos parceiros assumiu a função de backbone, mas, com a experiência, resolveram que era melhor delegar essa função a um time.
“Trouxemos a equidade no trabalho com a primeira infância levando um olhar sistêmico na atuação direta com diferentes atores, ou seja, as crianças, os cuidadores, as famílias, os agentes e as instituições educacionais, lideranças da comunidade e formadores de opinião. As organizações que atuavam com a primeira infância tinham as suas agendas e foi bem difícil criar uma agenda comum, demandando muitas conversas e flexibilizações para conseguir chegar a mais de meio milhão de pessoas em quatro territórios da Colômbia. Hoje sabemos que o modelo de backbone que utilizamos foi um dos principais fatores de sucesso nesse processo, porque nos ajudou a ter clareza da estrutura de governança e da liderança da organização desse time”, pontuou.
O futuro é coletivo: o desafio do engajamento
No último painel do Fórum, Ronaldo Matos, fundador do movimento Desenrola e Não me Enrola , mediou o diálogo, recebendo David Nemer, professor-assistente no departamento de estudos de mídia e no programa de estudos latino-americanos da Universidade de Virgínia, e Selma Moreira, vice-presidente de diversidade, equidade e inclusão LATAM, na JP Morgan.
“No diálogo de hoje, vamos tecer uma série de avaliações e compartilhar experiências sobre um futuro coletivo, um futuro em que a gente engaje, onde a gente tenha uma diversidade de atores sociais construindo uma sociedade mais igualitária”, disse Ronaldo para abrir a conversa, compartilhando diferentes dados que mostram a necessidade urgente de avançarmos nesse propósito.
No Brasil, 56,1% da população se autodeclara negra. No país, o celular é a principal ferramenta de acesso à internet para 99,5% dos domicílios brasileiros. Nas regiões com alta taxa de vulnerabilidade social, o celular é a única ferramenta de acesso à internet para 70% das pessoas. No Jardim Ângela, bairro periférico de São Paulo, existem 1,4 antenas de telefonia móvel para cada 10 mil habitantes, enquanto o Itaim Bibi, região nobre da cidade, são 49,8 antenas de telefonia móvel para o mesmo montante de moradores.
Diante destes e outros dados, Selma coloca a sua visão sobre como governos, empresas e organizações do campo de investimento social privado podem trabalhar pela equidade racial. “É muito complexo. A gente tem mais tempo de país com uma história escravocrata do que de um país liberto. Isso ainda está nas nossas entranhas de diferentes formas. Acho que todos aqueles que decidem ter uma postura intencional antirracista, agora precisam agir. Ou seja, me coloquei nesse lugar, qual é a minha ação? É do micro, de como você lida no dia a dia com as pessoas ao seu redor, na sua rede, com as pessoas que trabalham com você, quando você toma uma decisão num escopo maior de uma organização privada governamental ou social. Como é que você desenha os seus programas, se você está colocando intencionalidade para provocar a mudança que é necessária e urgente”, reforçou.
David falou sobre as principais transformações que ele considera necessárias para incluir a população negra como produtora de novas tecnologias, capazes de transformar e de combater as desigualdades sociais nos territórios. “As empresas de tecnologia precisam abrir espaço para não encarar essa população como meros consumidores, mas sim como produtores e trazê-los pra mesa onde as decisões são tomadas, discutindo design, desenvolvimento, mercado para que negras e negros possam trazer a visão de seus mundos, sua expertise, todo o conhecimento que, muitas vezes, não é entendido como um conhecimento válido porque está fora, porque está na periferia”, concluiu.
Saiba tudo o que aconteceu no primeiro dia do Fórum, painel por painel, acessando aqui a matéria completa. Continue acompanhando as redes sociais da UWB para participar de novos debates e ações sobre a metodologia impacto coletivo.