No último painel do segundo dia do Fórum Brasileiro de Impacto Coletivo, que aconteceu em setembro, lideranças de três instituições compartilharam suas experiências sobre como ações colaborativas em rede podem mitigar os efeitos da pandemia nas populações mais vulneráveis. O evento foi realizado pela United Way Brasil em aliança estratégica com Collective Impact Fórum, Aspen Institute, Global Opportunity Youth Network (GOYN) e Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas). Apoio de disseminação de conhecimento do Instituto Sabin e cooperação da FEMSA e OEI.
A mesa mediada por Ericah Gonçalves, cofundadora da Pappo Consultoria, trouxe experiências bem-sucedidas para o enfrentamento dos desafios causados – ou alargados – pela crise sanitária, social e econômica gerada pela pandemia, em 2020 e 2021.
Compuseram esse diálogo Paula Fabiani, CEO do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento (Idis), Ian Bautista, diretor de engajamento cívico da Greater Milwaukee Foundation e Constanza Gómez Romero, diretora executiva da Colombia Cuida Colombia.
FUNDO EMERGENCIAL PARA A SAÚDE
O Idis reuniu sua equipe, em março de 2020, para pensar em como enfrentar as adversidades que atingiram as populações mais vulneráveis na pandemia, especialmente para fortalecer a área da saúde. A criação de um fundo teve a adesão das organizações Movimento Bem Maior e a plataforma Bsocial, que conseguiram atrair doadores, com aportes diversos. Também contaram com a parceria da Sitawi Finanças do Bem, que organizou toda a parte jurídica e financeira da ação, além da Synergos e do GIFE, que apoiaram a divulgação da iniciativa.
“Elegemos, por meio de um comitê técnico, 59 hospitais filantrópicos, em regiões mais vulneráveis, um centro de pesquisa e uma organização social para receberem os recursos. O fundo foi desativado depois de pouco mais de 200 dias de seu lançamento, porque percebemos que havíamos cumprido o nosso objetivo para aquele momento da pandemia. Conseguimos atrair mais de 10 mil doadores, recebemos mais de 40 milhões de reais, beneficiando 53 municípios de 25 estados brasileiros. Entregamos 3,7 milhões de equipamentos de proteção individual, 3.621 equipamentos hospitalares e 362 mil testes, além de medicamentos e insumos. Por fim, como resultado de todo esse processo, elaboramos um relatório e um vídeo que explicita o passo a passo de como criar um fundo emergencial, a partir de nossa experiência”, conta Paula, do Idis.
“A gente enfrenta muitos desafios nessa construção coletiva, mas não tenho dúvidas de que é muito mais potente e que nos leva bem mais longe, com impactos sistêmicos e duradouros.”
Paula Fabiani, CEO do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento (Idis)
Para ela, alguns aspectos precisam ser levados em conta para que ações como esta sejam mais assertivas: definir um foco, uma prioridade; criar instrumentos legais para garantir a confiança do doador; elaborar uma estratégia de comunicação robusta, envolvendo diferentes atores que tenham credibilidade e influência junto à opinião pública; e elaborar um relatório completo e detalhado de prestação de contas.
AÇÃO NA PANDEMIA COM FOCO NA QUESTÃO RACIAL
Ian Bautista, da Greater Milwaukee Foundation, compartilhou a experiência do grupo formado na sua cidade que, além de enfrentar os desafios da pandemia, para garantir melhores condições de saúde e bem-estar à população local, focou na questão do racismo, após o assassinato de George Floyd e Jakob, dois negros dos Estados Unidos. As ações de enfrentamento envolveram diferentes atores, desde os que estão nas comunidades, nas organizações sociais, lideranças locais, até os que fazem parte dos governos, com foco na população negra, que é maioria na cidade.
“Nós sabemos que não teremos sucesso na região, a não ser quando garantirmos a igualdade de oportunidades. Por isso, a nossa abordagem é focada na igualdade racial.”
Ian Bautista, da Greater Milwaukee Foundation
“Nosso propósito é alinhar fundos, recursos, produtos e serviços essenciais para vencer os desafios da pandemia, a recessão e a injustiça social, influenciando as políticas públicas. Pessoas de diferentes setores são essenciais na composição da equipe para que possamos alcançar nossos objetivos. Enfrentamos muitos obstáculos até chegar no que somos hoje. O primeiro deles foi conseguir reunir líderes e organizações, especialmente os ligados aos governos. Tínhamos muitas pessoas e instituições querendo doar recursos e serviços, mas faltavam estrutura e logística para recebê-los. Precisamos construir essa estrutura e a confiança no nosso trabalho, questões nas quais continuamos focados. Estivemos por trás dos dois fundos criados pelo governo dos Estados Unidos para apoiar as populações mais pobres”, contou Ian.
O grupo também viabilizou a distribuição de quatro milhões de máscaras e criou um portal para divulgar informações sobre a pandemia, além de postos de trabalho, ajuda financeira e outras questões emergenciais para a população local. Coordenou fundos filantrópicos para a captação de mais de 50 milhões de dólares que serviram como subsídio a ações de enfrentamento à pandemia. O aprendizado dessa primeira etapa foi utilizado na segunda fase de ações, com a estruturação de um projeto junto ao governo federal, o American Rescue Plan Act (Arpa), com o apoio de especialistas em impacto coletivo.
COMBATE À FOME COMO PONTO DE PARTIDA
Na Colômbia, a partir de março de 2020, a população se manteve isolada, em suas casas. Com o tempo, panos vermelhos começaram se serem colocados nas janelas e portas das casas, indicando que aquelas famílias estavam passando fome. Pessoas que têm muita experiência com a área social, desde empresários e mídia a membros de associações, instituições da sociedade civil e cidadãos começaram a se comunicar por meio de grupos de WhatsApp para articular maneiras de ajudar as pessoas e situação vulnerável. Hoje, todos se comunicam em um grupo só, com cerca de 400 membros, que passou a ser chamado de movimento Colombia cuida da Colombia.
Inicialmente unidos para achar soluções de combate à fome, o movimento também se dedica a resolver desafios que foram ampliados pela Covid-19, mas que já eram questões sociais significativas à realidade do País, como a pobreza.
“Os 400 parceiros e milhares de voluntários juntaram forças e conseguiram arrecadar dois milhões de dólares, beneficiando 30 dos 32 estados colombianos, levando alimento à mesa de três milhões de pessoas, por meio de doações, geração de emprego e novos empreendimentos. Levamos educação remota e saúde a lugares que não tinham acesso a esses serviços. Nosso objetivo é cobrir lacunas e, para isso, conversamos com as comunidades e com parceiros para traçar planos conjuntos que solucionem os problemas, construindo agendas locais. Elaboramos sistemas ágeis, como um aplicativo que promove o aproveitamento de alimentos, evitando desperdícios, a fim de suprir a falta de comida em famílias de regiões mais pobres. Conseguimos entregar cinco toneladas de comida em um ano. Atualmente, estamos trabalhando com segurança alimentar, projetos produtivos, soluções para o tratamento de água, geração de energia solar e acesso à internet e à tecnologia”, compartilhou Constanza.
“Quando trabalhamos com parceiros, o que incomoda, aquilo com que não se concorda precisa ser colocado na mesa. Para construir a confiança é importante trazer essas diferenças de maneira aberta e negociar os interesses de forma transparente.”
Constanza Gómez Romero, diretora executiva da Colombia Cuida da Colombia
Para ela, além de estruturar uma relação de confiança com a comunidade, para que as ações possam ser pensadas horizontalmente, é preciso que se estabeleçam estratégias claras, que partam de uma agenda comum, que se paute em planejamento e na estruturação de grupos de trabalho, que contem com uma coordenação efetiva e com muita paciência e esperança.
DURANTE TODO FÓRUM BRASILEIRO DE IMPACTO COLABORATIVO, OS PARTICIPANTES FORAM CONVIDADOS A COLABORAR E COMPARTILHAR SUAS REFLEXÕES SOBRE OS TEMAS ABORDADOS NOS PAINÉIS. DURANTE A EXPLANAÇÃO DAS TRÊS LIDERANÇAS FEMININAS, ESTAS FORAM AS PRINCIPAIS EXPRESSÕES REGISTRADAS NO JAMBOARD:
- A colaboração é fundamental no pós-pandemia
- A pandemia criou oportunidades para solucionar problemas que já existiam antes dela e que foram ampliados na crise
- Agenda comum, monitoramento, avaliação e prestação de contas são fundamentais para o processo de impacto coletivo
- Confiança e relacionamento são essenciais nos processos colaborativos