Para muitos, o tema é indigesto. No entanto, é extremamente importante, porque atinge a base de nossa sociedade, comprometendo – e muito – o presente e o futuro de todos nós.
A United Way Brasil tem como foco de suas ações duas fases primordiais da existência humana: primeira infância e juventude. Uma das questões a qual se dedica para apoiar o desenvolvimento integral de crianças e jovens é a garantia de direitos, o que engloba o urgente combate à violência, seja ela física, psicológica ou sexual.
Com relação a esta última, que envolve o abuso e a exploração, ainda existe uma grande resistência da sociedade em olhar para o problema e encará-lo de frente. Precisamos mudar isto. Não podemos aceitar o fato de o Brasil ocupar o segundo lugar no ranking de países com maiores números de exploração sexual infantil (sexo em troca de dinheiro ou de algum benefício).
Dados recentes, pré-pandemia, apontavam que, a cada hora, três crianças ou adolescentes são vítimas de abuso sexual (estupro e comportamentos abusivos dos adultos) no país, no entanto, acredita-se que só um em cada dez casos é reportado, ou seja, os índices são bem maiores.
Com o evento da Covid-19, esses números tendem a crescer. Sem ter a quem recorrer, muitas crianças e muitos jovens acabam convivendo todos os dias, por 24 horas, com os abusadores. Outro aspecto é o maior tempo plugado na internet, que oportuniza a pornografia infantil e a exposição às ameaças de quem está do outro lado da tela.
A falta de empregos e o agravamento da crise econômica impacta em cheio famílias que já sofriam com a escassez de recursos, antes da pandemia. Provavelmente, os casos de exploração sexual vão aumentar – 320 crianças e jovens já eram explorados sexualmente a cada 24 horas, antes do isolamento social.
A preocupação tem razão de ser. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em Serra Leoa, na África, a epidemia do Ebola, entre 2014 e 2106, elevou sensivelmente os índices de diferentes violações, como o trabalho infantil, o abuso sexual e casamento infantil.
O papel do empresariado
Não olhar para o tema elevará o custo social que todos já pagamos por conta da omissão. Os problemas de saúde física e mental causados pela violência, tratados pelo sistema público, inflam os gastos públicos; a violência em todos os níveis só tende a aumentar, já que os abusados, muitas vezes, buscam no álcool e nas drogas algum “conforto” ou são levados a consumi-los pelos abusadores. Outro problema é que meninas e meninos nessa situação acabam por abandonar a escola. Garotas ficam grávidas e muitas vivem sozinhas e precisam sustentar seus filhos. Outra parte delas se junta a um parceiro violento e outra, ainda, entrega a criança para o sistema, que nem sempre consegue cuidar da criança da maneira que ela precisa para se desenvolver plenamente, mesmo investindo uma quantia razoável de recursos públicos para sustentá-la.
“Costumo dizer que a violência sexual contra a criança e o adolescente é uma ‘epidemia’. Acabar com ela ainda não é uma demanda social, infelizmente. Sem essa demanda, sem a pressão que a sociedade exerce, as políticas públicas não acontecem. A sociedade precisa entender que abuso e exploração sexual de crianças e jovens perpetua o ciclo da pobreza, afetando a todos, direta ou indiretamente. Acredito que o empresariado é um pilar da sociedade essencial no combate à violência. Existem 2 mil pontos mapeados, nas estradas federais brasileiras, em que a prática da exploração sexual acontece. Quantas empresas têm suas plantas à margem dessas rodovias?”, ressalta Luciana Temer, diretora-presidente do Instituto Liberta.
Os focos de exploração sexual são vários, como hotéis, resorts, empreendimentos de construtoras, portos e empresas de transportes. Por isso, a importância de as empresas investirem em recursos e ações para mitigar a violência no entorno de suas sedes e nas comunidades onde atua. “O empresário tem de entender que ele precisa estar lá, porque ele e toda a sociedade pagam essa conta”, reforça Luciana.
Mas como fazer isso? “Por meio da educação, da conscientização. Temos de mudar a cultura permissiva que vê nesse tipo de exploração algo natural, que faz parte. Não é à toa que somos a quarta nação com maiores números de casamento infantil, em pleno século 21”, completa Luciana.
Para ela, programas e campanhas que apostam na formação das famílias, na educação sexual nas escolas, que empoderam meninas, as principais vítimas, que tratam o tema com a população em geral tendem a ser eficientes. “Precisamos vencer preconceitos e acabar com o silêncio da sociedade diante de tamanho absurdo. As empresas podem investir na formação de seus colaboradores, da comunidade do entorno onde crianças e jovens vivem”, finaliza Luciana.
A United Way Brasil acredita no impacto coletivo, ou seja, que várias mentes e mãos se unam para combater um problema social com soluções inovadoras e eficientes a cada público a que se destinam. Por meio dos programas Crescer Aprendendo (primeira infância) e Competências para a Vida (juventude) essa atuação conjunta tem acontecido, mas o desafio de vencer a violência sexual é enorme e precisamos de mais aliados. E se a gente se unir?