Sempre que penso na primeira infância, o conceito de efeito dominó me vem à mente. Ele sugere que um efeito pode ser a causa de outro, desencadeando uma série de
acontecimentos que podem durar por médio, longo ou até infinito prazo. Esse efeito pode ser tanto positivo quanto negativo — e, no contexto da primeira infância,
especialmente em famílias em situação de vulnerabilidade social, ele está diretamente ligado às políticas e programas que promovam o desenvolvimento integral e a
proteção de nossas crianças.
Estamos bem amparados por dados e pesquisas que comprovam os benefícios dos investimentos na primeira infância. A seguir, vou listar algumas dessas evidências para caminharmos juntos nessa reflexão.
A primeira delas é neurológica, ligada à plasticidade cerebral e à incrível capacidade de formar conexões. Nos primeiros seis anos de vida, nosso cérebro realiza cerca de 1 milhão de sinapses por segundo. Ao final desse período, 90% das conexões neuronais já estarão estabelecidas. E engana-se quem pensa que essas conexões estão
relacionadas apenas a aspectos cognitivos. Elas abrangem tudo: aspectos motores, cognitivos e socioemocionais, que moldam habilidades como resiliência, capacidade de tomar decisões, resolver conflitos e se adaptar a novos cenários. Em outras palavras, trata-se de uma valiosa e decisiva janela de oportunidade para o desenvolvimento da criança — e para a formação do jovem e do adulto que ela se tornará.
O segundo ponto é econômico. Investir na primeira infância é uma ferramenta poderosa para combater desigualdades sociais e romper o ciclo intergeracional de
pobreza. Um estudo da Universidade das Índias Orientais traz dados que funcionam como parâmetro para países em desenvolvimento. Ele mostra que cuidados na
primeira infância se traduzem em maior escolaridade e salários 25% mais altos, além de reduzir casos de depressão e a participação de adolescentes em atividades ilegais.
O economista James Heckman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 2000, também destaca o impacto econômico: cada dólar investido na primeira infância
retorna até sete vezes à sociedade, considerando aumento da escolaridade e do desempenho profissional, e a redução dos custos com reforço escolar, saúde e até
mesmo com o sistema de justiça penal.
Um documento de trabalho divulgado em 2020 pelo Centro de Desenvolvimento Infantil de Harvard apenas reforça esse entendimento. O levantamento indicou que a adversidade excessiva e contínua na primeira infância, especialmente em contextos de pobreza intergeracional ou racismo sistêmico, é capaz de sobrecarregar ou interromper o sistema cardiometabólico da criança, levando às consequências já descritas: prejuízos econômicos e intelectuais, reflexo em taxas de criminalidade e
aumento dos custos com saúde.
O ambiente de convívio na primeira infância é determinante para o desenvolvimento da criança e de quem ela será no futuro — e esse ambiente não se restringe à moradia, mas inclui também a unidade educacional à qual a criança tem acesso, a comunidade onde está inserida, e todos os vínculos e referências que podem ser construídos.
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Os cinco componentes definidos no modelo Nurturing Care de Cuidado Integral, estabelecido pela Organização Mundial da Saúde, Unicef e Banco Mundial, são saúde, nutrição, segurança e proteção, parentalidade positiva e educação infantil. Crianças que não são devidamente cuidadas e estimuladas na primeira infância chegam à juventude sem preparo emocional, com a autoestima fragilizada, desconhecendo seus pontos fortes e sem recursos suficientes para participar de entrevistas de trabalho e/ou traçar um plano de vida. Apenas seguem conforme a maré decidir.
Mas sabemos que elas merecem mais: podem assumir o protagonismo de suas vidas, ser cidadãos responsáveis e atuantes. Para nós, da United Way Brasil, está claro que não há como falar de primeira infância sem falar de juventudes. Estão intrinsecamente ligadas. E é exatamente por isso que optamos por desenvolver programas nesses dois pilares: o Crescer Aprendendo, focado na Primeira Infância, o Competências para a Vida e o Juventudes Potentes, ambos voltados à adolescência e juventude.
A falta de atenção dada à primeira infância até bem recentemente certamente levou ao gargalo que vemos agora na juventude. De acordo com dados de 2023 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 30,3% dos jovens entre 18 e 24 anos estão desempregados. A entrada desses jovens no mercado pode elevar o PIB brasileiro. Um dado do IBGE de 2022 indica que se todos os jovens trabalhassem à época, teríamos um aumento de 0,46 ponto percentual no PIB.
Uma pesquisa realizada por nós no Juventudes Potentes e divulgada em maio deste ano mostra como é difícil que as oportunidades cheguem aos jovens em situação mais vulnerável, mesmo após a instauração da Lei do Aprendiz há quase 25 anos. No levantamento, ouvimos 600 pessoas das regiões Sul e Leste da capital, e um dado que chama muito a atenção é que apesar de 60,4% dos paulistanos com idade entre 15 e 24 anos terem interesse em atuar como jovem-aprendiz, apenas 1,5% conseguem. Dos entrevistados, 25% nunca souberam de oportunidades na categoria.
A percepção da equipe que coordena o programa é de que o acesso ainda é difícil especialmente para jovens com menor renda familiar e que moram em periferias mais distantes. Ou por falta de informação, ou por não saber que esse direito existe (alguns pensam que é necessário comprovar renda para se candidatar a uma vaga de Jovem Aprendiz) e às vezes até pela dificuldade de se conectar à internet para participar de processos seletivos.
Por essas razões, a UWB segue, há 23 anos, na missão de ampliar o poder de escolha para crianças e jovens. Acreditamos que unindo forças – organizações da sociedade civil, políticas públicas e apoio das empresas, podemos potencializar oportunidades para todos e todas, diminuindo as desigualdades de nosso país. Vamos juntos?
Autora: Gabriella Bighetti – CEO da United Way Brasil